1.
INVOCAÇÃOSenhor, pela forçaDa palavra expressaOnde uma alma opressaDe si se reforça,
Pela alta virtudeDo rompante verboContra o coro acerboDos que a sombra ilude,
Pela influência etéreaDa vontade ígneaSobre a fraca insígniaDa interior miséria,
Pelo oculto signoDo mistério vosso,Que urre cada nossoContendor maligno!
Que um a um tropecemSobre os próprios gumes,Que rolem dos cumesQue ainda não conhecem.
Que ergam sobre a areiaSuas torres tortas,Que nunca achem portasNa dedálea teia.
Que suas setas rompamSeus tímidos arcos,Traves de seus barcosQue os corais corrompam.
Que elejam por guiasBêbados ou cegos,Que pisem nos pregosEntre ervas macias.
Que mais que isso esqueçamVosso Olhar que ofusca,E partam na buscaDo oco onde apodreçam.
Lá só colham pedraE nos lancem flores,Plantem suas doresOnde a aranha medra.
Arem seu sustentoEntre as folhas bravas,Semeiem nas lavasDe um vulcão violento.
E então embriagadosDe fungo, de urtiga,Que sua horda prossigaContra nós aos brados!
Mas já se extraviemNas selvas noturnas,E em grotas soturnasOnde os ecos riem.
Marchem sobre os charcosCom pesadas armas,Gritem seus alarmasOs de voz mais parcos.
Cruzem precipíciosQue jamais sonharam,Creiam que chegaramAo volver a inícios.
Tremam nas montanhas,Vistam-se de lodo,Corram o orbe todoEntre almas estranhas.
E enfim virem presasDe lobos, de hienas,Dando às luas plenasNo céu negro acesas
Montes de ossos lassos,Suas caveiras alvasQue gemerão salvasPara os nossos passos!
19/6/1992
CACOS
Fragmentos, sim, fragmentos, mas de quê?Que formaremos juntos, nós, pedaços?Que imagem, qual visão que não se vêNascerá da união dos nossos traços?Nós, cacos, nós, partidos, nós, a faltaDo resto, da espantosa explicação,No que daremos, fim que aos olhos salta,E quem nos juntará? Qual ser? Qual mão?
14-10-1998
VIDÊNCIA
Se os nossos olhos te enxergassem, rosa,E não só: “É uma rosa” nos dissessemNa vulgar gradação que nunca esquecem,Que epifania na manhã tediosa!
Se eles vissem, ao vê-la, cada coisaE não seu nome, se afinal pudessemFugir da furna abstrata onde destecemA vida, um morto partiria a lousa
Maciça de aqui estar. Flor, nuvem, muro,Árvore, que é uma só e não tal nome,Se tudo entrasse o corredor escuro
Que há em nós, algo de exato se ergueria,Algo que pára o tempo ou que o consome,Que alveja a noite e entenebrece o dia.
9-11-1998
DESCOBERTA
Quando, sobre o lago,Os raios pararemE os ventos calaremSeu zunido aziago,
Quando as nuvens foremPara longe, e a luaQue, dupla, flutuaPara que as rãs orem
Se apagar, e os astrosMinguarem, e os peixesNão mais forem feixesDe argentados lastros,
Sem sons, sem reflexos,Sem margens, sem brilhos,Sem lago, nem cíliosDe olhares perplexos,
Nele enfim, no leitoLivre do ébrio pacto,O diamante intactoBrilhará perfeito.
22-10-2004
DEGENERESCÊNCIA
As forças cegas geram a visão.O sem sentido engendra quem o busca.Sai do negror o que ao negror ofusca.Do irracional surde a voraz razão.
Que estranho gelo que aquece e chamusca...Para qual fruto se ergue a nossa mão?O barro insciente põe-se em construção.O pó se agrega, a escuridão corusca.
Os cegos dizem cegos os que vêem,Ágrafos assim chamam quantos lêem,O acaso quer, o indefinido anseia.
O louco esboça a precisão extrema.Que puros punhos com grilhão e algemaDobram sem pressa as grades da cadeia?
29-12-2008
7.
O GRANDE ARCANO
Julgas que vives, a morte esperas.Ambas são falsas. A tua vidaComo a tua morte é uma névoa fluida.És, sem as duas. Cala entre as feras.
1-7-2009
Perfeitos!Estavas a nos fazer falta. Bom e feliz retorno, sem mais ausências.
ResponderExcluirAlda Barros-Lisboa
É um prazer imenso ler sua poesia! Obrigada pela partilha.
ResponderExcluirMárcia.
Não mais nos falte, Poeta, por todos os Arcanos.
ResponderExcluirAbraços.
Luiza-RO
''Julgas que vives, a morte esperas.
ResponderExcluirAmbas são falsas. A tua vida
Como a tua morte é uma névoa fluida.
És, sem as duas. Cala entre as feras.''
Este poema vale a semana inteira. Espero que sua poesia nos seja mais frequente, venha todos os domingos.Merecemos!
Abs
lAYSA-NY
Não desapareça!Abraços
ResponderExcluirBelvedere