Poeta , Editor, ex-Diretor do INEPAC, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, e membro do Conselho Estadual de Tombamento.

quinta-feira, julho 7

SETE POEMAS MÍSTICOS


1.

INVOCAÇÃO
Senhor, pela força
Da palavra expressa
Onde uma alma opressa
De si se reforça,

Pela alta virtude
Do rompante verbo
Contra o coro acerbo
Dos que a sombra ilude,

Pela influência etérea
Da vontade ígnea
Sobre a fraca insígnia
Da interior miséria,

Pelo oculto signo
Do mistério vosso,
Que urre cada nosso
Contendor maligno!

Que um a um tropecem
Sobre os próprios gumes,
Que rolem dos cumes
Que ainda não conhecem.

Que ergam sobre a areia
Suas torres tortas,
Que nunca achem portas
Na dedálea teia.

Que suas setas rompam
Seus tímidos arcos,
Traves de seus barcos
Que os corais corrompam.

Que elejam por guias
Bêbados ou cegos,
Que pisem nos pregos
Entre ervas macias.

Que mais que isso esqueçam
Vosso Olhar que ofusca,
E partam na busca
Do oco onde apodreçam.

Lá só colham pedra
E nos lancem flores,
Plantem suas dores
Onde a aranha medra.

Arem seu sustento
Entre as folhas bravas,
Semeiem nas lavas
De um vulcão violento.

E então embriagados
De fungo, de urtiga,
Que sua horda prossiga
Contra nós aos brados!

Mas já se extraviem
Nas selvas noturnas,
E em grotas soturnas
Onde os ecos riem.

Marchem sobre os charcos
Com pesadas armas,
Gritem seus alarmas
Os de voz mais parcos.

Cruzem precipícios
Que jamais sonharam,
Creiam que chegaram
Ao volver a inícios.

Tremam nas montanhas,
Vistam-se de lodo,
Corram o orbe todo
Entre almas estranhas.

E enfim virem presas
De lobos, de hienas,
Dando às luas plenas
No céu negro acesas

Montes de ossos lassos,
Suas caveiras alvas
Que gemerão salvas
Para os nossos passos!


                                                    19/6/1992

 
                                   CACOS


Fragmentos, sim, fragmentos, mas de quê?
Que formaremos juntos, nós, pedaços?
Que imagem, qual visão que não se vê
Nascerá da união dos nossos traços?
Nós, cacos, nós, partidos, nós, a falta
Do resto, da espantosa explicação,
No que daremos, fim que aos olhos salta,
E quem nos juntará? Qual ser? Qual mão?


                                                                           14-10-1998
 
                    VIDÊNCIA

Se os nossos olhos te enxergassem, rosa,
E não só: “É uma rosa” nos dissessem
Na vulgar gradação que nunca esquecem,
Que epifania na manhã tediosa!

Se eles vissem, ao vê-la, cada coisa
E não seu nome, se afinal pudessem
Fugir da furna abstrata onde destecem
A vida, um morto partiria a lousa

Maciça de aqui estar. Flor, nuvem, muro,
Árvore, que é uma só e não tal nome,
Se tudo entrasse o corredor escuro

Que há em nós, algo de exato se ergueria,
Algo que pára o tempo ou que o consome,
Que alveja a noite e entenebrece o dia.

 
                                                                            9-11-1998

      DESCOBERTA


Quando, sobre o lago,
Os raios pararem
E os ventos calarem
Seu zunido aziago,

Quando as nuvens forem
Para longe, e a lua
Que, dupla, flutua
Para que as rãs orem

Se apagar, e os astros
Minguarem, e os peixes
Não mais forem feixes
De argentados lastros,

Sem sons, sem reflexos,
Sem margens, sem brilhos,
Sem lago, nem cílios
De olhares perplexos,

Nele enfim, no leito
Livre do ébrio pacto,
O diamante intacto
Brilhará perfeito.

                                                       22-10-2004


 
DEGENERESCÊNCIA



As forças cegas geram a visão.
O sem sentido engendra quem o busca.
Sai do negror o que ao negror ofusca.
Do irracional surde a voraz razão.

Que estranho gelo que aquece e chamusca...
Para qual fruto se ergue a nossa mão?
O barro insciente põe-se em construção.
O pó se agrega, a escuridão corusca.

Os cegos dizem cegos os que vêem,
Ágrafos assim chamam quantos lêem,
O acaso quer, o indefinido anseia.

O louco esboça a precisão extrema.
Que puros punhos com grilhão e algema
Dobram sem pressa as grades da cadeia?

                                                                              29-12-2008
7.
         O GRANDE ARCANO


Julgas que vives, a morte esperas.
Ambas são falsas. A tua vida
Como a tua morte é uma névoa fluida.
És, sem as duas. Cala entre as feras.

                                                                        1-7-2009

5 comentários:

  1. Perfeitos!Estavas a nos fazer falta. Bom e feliz retorno, sem mais ausências.
    Alda Barros-Lisboa

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  2. É um prazer imenso ler sua poesia! Obrigada pela partilha.
    Márcia.

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  3. Não mais nos falte, Poeta, por todos os Arcanos.
    Abraços.
    Luiza-RO

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  4. ''Julgas que vives, a morte esperas.
    Ambas são falsas. A tua vida
    Como a tua morte é uma névoa fluida.
    És, sem as duas. Cala entre as feras.''

    Este poema vale a semana inteira. Espero que sua poesia nos seja mais frequente, venha todos os domingos.Merecemos!
    Abs
    lAYSA-NY

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  5. Não desapareça!Abraços
    Belvedere

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