Poeta , Editor, ex-Diretor do INEPAC, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, e membro do Conselho Estadual de Tombamento.

quarta-feira, julho 6

A MISÉRIA CULTURAL CARIOCA


        DUDU TRANCA-RUA

          (OU A MISÉRIA CULTURAL CARIOCA)





         Sei perfeitamente que no Brasil, como em todos os países não ditatoriais do Terceiro Mundo, quem elege os governantes não é quem lê jornais, mas quem limpa a bunda com eles. Tal definição exata não é minha, é pública e anônima. Mesmo assim, o ponto a que chegou esta cidade onde as Moiras, ou o Fatum ou o Destino me fizeram nascer, a decantada São Sebastião do Rio de Janeiro, está alcançando a píncaros de degradação realmente insuportáveis. Não sou idiota para compará-la com Paris, ou Londres, ou Madrid, ou Roma, etc., etc., mas comparações com Buenos Aires, ou Bogotá, ou Santiago do Chile, ou Lima, por exemplo, não seriam absurdas. Em alguma dessas capitais os postes caem sobre os cidadãos, e os bueiros explodem aos seus pés? Em alguma delas, quando morre uma árvore em via pública, passam-se dez, vinte, trinta anos sem que plantem outra da mesma espécie no mesmo buraco, para manter a simetria da arborização?

No Carnaval de 2010 – encaminhamo-nos já para dois anos – um grupo de alucinados do decantado Cordão do Bola Preta escalou o magnífico monumento a Floriano Peixoto na Cinelândia, a obra-prima de Eduardo de Sá, que há pouco completou um século. No pedestal dessa maravilha da escultura pública brasileira há quatro grupos escultóricos, esplêndidos, representando quatro grandes poemas nacionais, ou seja: o sublime “I-juca-pirama”, de Gonçalves Dias; O Evangelho nas selvas, de Fagundes varela; O Caramuru, de Santa Rita Durão, e A Cachoeira de Paulo Afonso, de Castro Alves. Pois os vândalos puseram abaixo o último, representando Lucas e Maria na canoa que os conduz ao precipício e à morte. Até aí, é compreensível, num povo acanalhado como o nosso isso é normal. Mas por que, quase dois anos depois, não repuseram a escultura? Talvez daqui a uma década ainda não a tenham reposto em seu devido lugar.

No Passeio Público, o anjinho da Fonte dos Amores, do Mestre Valentim, teve, pela terceira vez, a sua cartela com a inscrição “Sou útil inda brincando”, verdadeiro marco da cidade, serrada, para venderem o metal, e no caso não se deram bem, pois não é de bronze, é de chumbo. Antes já lhe haviam arrancado as asas e os braços. Bem atrás dele, demoliram, literalmente, a balaustrada de gneiss e ferro para roubar os balaústres, como se de uma pedreira se tratasse, e desse modo ela lá permanece. Na Praça XV, o logradouro mais histórico deste país, mutilaram sordidamente o também magistral monumento – antigo túmulo – do General Osório, talvez a mais bela estátua eqüestre da cidade, obra-prima de Rodolfo Bernardelli, fundida com o bronze de canhões apresados no Paraguai. Levaram as pontas de lança e as balas de canhão do gradil, as dedicatórias e as guirlandas que as envolviam, e até a espada do grande herói.

Que fala disso o alcaide? Nada. O ex-prefeito desapropriou o antigo Automóvel Clube, na Rua do Passeio, onde foi uma vez o Cassino Fluminense - que estava muito bem conservado enquanto abrigava um bingo - para lá fazer uma “biblioteca”. Sem nem mencionar o moralismo ridículo deste povo, que proíbe caça-níqueis enquanto convive com dezenas de milhares de assassinatos por ano, onde está a “biblioteca”? No prédio, que rapidamente se arruína, resolveram fazer a “Casa do Samba”. Mas na ex-Escola de Eletrônica da UFRJ, na Praça da República, resolveram também fazer a “Casa do Samba”. Então, para o ex-Automóvel Clube irá a “Casa do Jazz”. Irá? O Brasil deve gastar dinheiro público para fazer uma “Casa do Jazz”? Quanta imaginação! No imóvel mourisco de Adolfo Morales de los Rios, na Rua da Carioca, em frente ao Bar Luiz – ruína pertencente ao Estado - será aberto a “Casa do Chorinho”? Quando? E o Museu da Imagem do Som, que tem duas sedes no Centro, terá sua nova sede num dos terrenos mais caros do Brasil, na Avenida Atlântica. Já lá puseram algum tijolo? Em 1999 o atual governador fez um escarcéu pelo tombamento do mafuá intitulado Canecão, afirmando ser ele tão importante como o Coliseu de Roma, textualmente. Tombamento, aliás, inconstitucional, como afirmei exaustivamente na época, por ser um tombamento de uso, coisa que não existe.

Toda a Cultura nesta cidade, senão no país – reparem nos últimos ministros da pasta - toda, é MPB, não existe mais nada. Não existe História, não existe Literatura, não existe Arquitetura, não existe Pintura, não existe Cinema, é samba, bossa nova, chorinho, sempre, eternamente, ad infinitum, ad nauseam, isso. E não venham me falar que não aprecio, que não amo tudo isso! Entre nós, povo novidadeiro, ignorante e macaqueador, foi feita a confusão definitiva entre Cultura e Show Business. Pode parecer a mesma coisa, mas não é, apesar da genial teoria do “intelectual pop”. Tanto pelo “dai a César o que é de César e dai a Deus o que é de Deus” quanto pelo “cada macaco no seu galho”, não posso conceber Michael Jackson escrevendo Ser e Tempo, nem Heidegger dançando Thriller. Voltando a esta cloaca do Universo em que se transformou Sebastianópolis,  que será feito do Palácio do Visconde do Rio Seco, na Praça Tiradentes – que parece ter sido bombardeada – em reforma há mais de uma década?! E dessa vergonha nacional que é o Hospital de São Francisco, na Presidente Vargas? E das ruínas em que deixaram transformar-se o magnífico Solar do Visconde de São Lourenço, na Rua do Riachuelo? E do Museu da Cidade, fechado e depauperado no um dia belíssimo Parque do mesmo nome? E dos museus, sempre entregues a dondocas e socialites, coisa de “mulherzinha” que parecem ser entre nós? E enquanto o passado, que é irrecuperável, se esboroa, gastam uma fortuna com um projetado “Museu do Amanhã”, seja lá isso o que for.

Mas o prefeito quer incentivar o ciclismo, todos ao trabalho de bicicleta, numa cidade onde o calor do verão chega a 43º! É que em Amsterdam – cidade tão semelhante á nossa - usam muito a bicicleta! E para dar o incentivo, ele desce uma ladeira de duzentos metros na Gávea Pequena, de bermudas, com as perninhas de fora. Imaginem um advogado que mora na Ilha do Governador, por exemplo, ir para o trabalho no Centro, com o terno obrigatório, em janeiro ou fevereiro, de bicicleta! Quer transformar a Rio Branco em “rua de pedestres” – ainda existe algum hospício em funcionamento por aí? Quer fazer o Porto Maravilha, e compara a cloaca que é de ponta a ponta a nossa Zona Portuária com Porto Madero ou o porto de Bilbao, mesmo em sua maior degradação. Reparem nos nomes ridículos, Delegacia Legal, Porto Maravilha – será primo da Elke? - haja saco! Quer transferir a Rodoviária recém-reformada para Irajá, em vez de fazer o metrô passar dentro dela. Pensa em vender o “Piranhão” – belo edifício de Marcos Konder – para pagar uma dívida enorme da Prefeitura, mas quer fazer um túnel embaixo do Morro de São Bento, embaixo do Mosteiro de São Bento, portanto, provavelmente a dinamite! E para isso terá que fechar a Primeiro de Março. E também derrubará a Perimetral.

Mas o que ele gosta mesmo é de fechar ruas, além de prender “mijões” - escândalo de inconstitucionalidade - depois de incentivar a horda a criar blocos com trezentas, quatrocentas mil pessoas, todas com uma latinha de cerveja na mão! Eu, pessoalmente, moro na Lapa, para onde me mudei há dez anos, mas que freqüentei desde adolescente, quando quase ninguém se lembrava de sua existência, tudo nela era baratíssimo e ela abrigava numerosas e saudosas boates de strip-tease. De início, ele fechou a última quadra da Lavradio, praticamente para beneficiar um único comerciante, criando o “Quarteirão Cultural da Lavradio”! Cultural só se Cultura for – e é, no sentido antropológico, que é o de que eles gostam, aborígenes que somos – encher o rabo de comida e de cachaça, pois o que há por lá são restaurantes, bares e casas de show. Depois resolveu meter a mão na Lapa mesmo, que se revitalizou sozinha, - sem qualquer ajuda do Estado, graças a Deus – fechando duas quadras na Mem de Sá e na Riachuelo nas noites de sexta e sábado! O que era excessivamente movimentado ficou insuportável, e eu, que moro na área, tenho que fazer estranhas manobras ao bel prazer do Edu Choque-de-Ordem, do Dudu Tranca-Rua, para chegar à minha casa nessas ocasiões.

Como carioca, posso afirmar isso. Tanto encareceram como virtudes intrínsecas deste povo a “descontração”, a “informalidade”, a “malandragem”, o “jeitinho”, a famigerada “irreverência” – notem bem a etimologia da palavra – que nos transformamos no povo mais mal educado e cafajeste de todo o país, que já não prima, jamais primou, por maiores requintes. 




                                                                                                 Alexei Bueno

                                          RJ- 06-07-2011        

3 comentários:

  1. Alexei, parabéns pelo artigo. Eles- os Dudus, estão destruindo-sem pena, nossa história.
    Rita Albuquerque-RJ

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  2. Alexei.
    Sou arquiteta e sofro em observar as atrocidades que vem sendo feitas, desde a destruição do Palácio Monroe e quase todos os edifícios centenários maravilhosos da antiga Av. Central. Vemos que os governantes não tem o menor respeito pela memória visual desta cidade...o carioca já perdeu muito do que havia de arte e beleza edificada por aqui....Será que isto muda um dia? Um abraço.

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  3. Alexei é de cortar a alma, esta destruição de nossa memória patrimonial.
    Louvo sua voz e seu grito, torno-os meus.
    Abraços.

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